O envelhecer sob um novo olhar Cristina Fogaça
Adicionado ao site em 21.08.2003
O que significa ser velho hoje?
Sentir-se visto como um indivíduo operativo, aceito, valorizado,
integrado ou o inverso? Sentir-se e ser considerado de forma
substancialmente diferente das crianças, jovens e adultos mais
jovens? Ser avaliado ou avaliar-se positivamente ou negativamente?
Enfim, haveria uma resposta única a essa questão?
Para
Aurélio Buarque de Holanda, VELHO é uma pessoa muito idosa; de época
remota; algo antigo; os velhos tinham outros costumes; que tem muito
tempo de existência; gasto pelo uso; antiquado; obsoleto. Já
Fraiman, diz que velho é "aquele que tem muitos anos de idade e uma
grande experiência acumulada que o diferencia dos demais".
A
resposta a qualquer tipo de questão sobre velho e velhice depende a
quem e como ela é feita. Não existe uma resposta única, porque o
próprio fenômeno da velhice tem muitos significados contextualizados
por fatores individuais, grupais e socioculturais. O conhecimento
científico, também contextualizado por esses fatores, desempenha um
papel fundamental na atribuição de significados a esses objetos, à
medida que justifica, explica e legitima determinadas práticas e
atitudes em relação à velhice.
Embora sejam relativamente
claras as distinções conceituais entre envelhecimento, velho e
velhice, devidamente contextualizados por dimensões
espaço-temporais, não é nada fácil discriminar essas distinções na
literatura gerontológica. Nas interpretações pouco parcimoniosas,
dados sobre percepções individuais ou de grupos determinados são
generalizados para o nível societal e vice-versa. TUCKMAN e LORGE
(1953) fizeram advertências a várias levas de pesquisadores, que
parecem ter sido ignoradas, sobre atitudes em relação à velhice, um
conjunto de crenças e opiniões sobre a predominância de
predisposições negativas nos indivíduos e na sociedade.
Em
1971, Mc Tavish publicou uma importante revisão de pesquisas
realizadas nas décadas de 50 e 60, a qual confirma essa
predominância. Sua análise contempla a categorização dos estudos
então disponíveis em duas rubricas gerais e de certa forma
sobrepostas. Uma privilegia o contexto sociocultural e a outra o
individual, ou de subgrupos analíticos. Na primeira (que privilegia
o contexto sociocultural), considera-se como variável dependente o
nível geral de considerações ou prestígio que o velho desfruta na
sociedade, e como variáveis independentes, fatores temporais,
societais e interculturais. Na segunda (privilegia o contexto
individual), conforme o autor, as variáveis dependentes são os
estereótipos, estudados em função de variáveis psicológicas ou
sociológicas (sexo, idade, escolaridade, autoritarismo, anomia e
conservadorismo dos respondentes).
Produtos sociais como,
por exemplo, a literatura, a TV, as produções de humor e os cartões
de aniversário devem ser considerados como reflexos e determinantes
de atitudes em relação ao velho, à velhice e ao envelhecimento.
O velho carrega, atualmente, como parte inerente à sua
condição, estereótipos e classificações pouco reveladoras da sua
real condição; a sociedade tende a encará-lo como uma estrutura
rígida de personalidade, frente a qual nos paralisamos, e
codificá-lo como "RABUGENTO, CRIANÇA, ULTRAPASSADO, CHATO,
CAQUÉTICO, etc.".
A falta de crédito em relação ao idoso faz
parte de nossa cultura, onde tudo de bom é para o jovem e o de ruim
é só para o velho. Quando algum idoso consegue sair do "padrão"
estipulado pela sociedade, as pessoas levam o caso com uma mistura
de repulsa e fascinação, geralmente reservadas só para o
extraordinário e o bizarro. As Universidades, Faculdades, Grupos
para a Terceira Idade parecem hoje sugerir uma resposta que se
coloca para iniciar a alterar este panorama negativo reservado para
o velho.
Marcelo Salgado, assistente social e gerontólogo,
diz que "geralmente, quando as pessoas fazem uma apreciação sobre o
envelhecimento, ou falamos a respeito, as imagens negativas para
essa etapa do ciclo da vida aparecem, como por exemplo comparado às
estações do ano; e como não poderia deixar de ser, a velhice
descrita como inverno sombrio, frio e improdutivo. A imagem invernal
para a velhice, embora poética, traduz uma depreciação e insinua
incompetência para esse tempo de vida. É uma visão disforme que não
reconhece o processo de desenvolvimento contínuo, característico do
ciclo da vida humana."
Neil Ferreira, publicitário, em seu
artigo "Publicidade e Terceira Idade", conta que conversando com sua
filha, que é absolutamente maldosa quando quer, estavam arrumando um
álbum de família e ela perguntou: "Mãe, de que ano é isso?" "De
1967", respondeu minha mulher. Ela olhou para a mãe e para mim e
disse: "Mas já tinha máquina fotográfica naquele tempo?" Eu, então,
respondi: "Olha, Ju, 1967 foi quando os Beatles fizeram o disco que
mudou o mundo". Ela não deixou por menos: "Ah, eu vi o Paul. Ele fez
cinqüenta anos. Coitadinho, né?...."
Interessante é que essa
mesma menina nunca tratou de coitadinho o avô que tinha 90 anos.
Isto, porque ele sabia se relacionar com ela e com a vida dele, de
maneira que me lembra muito Picasso que, com noventa anos, deu uma
entrevista que tenho guardada e onde ele dizia: "Enquanto conseguir
olhar com olhos de crianças os pincéis que uso, eu serei um jovem."
Se o número de idosos tende a aumentar, e se os idosos podem
continuar seu desenvolvimento, espera-se maior pressão e maior
reivindicação sobre a qualidade de sua auto-expressão e do seu
desenvolvimento. Devemos lembrar que a participação do idoso nas
mudanças de ação é muito importante.
É importante deixar bem
claro que não basta que cada vez mais se formem técnicos,
especialistas, políticos e pessoas interessadas em trabalhar JUNTO
com o idoso se O PRÓPRIO IDOSO não participar, não atuar, pois
somente ELE, através de sua participação e seu envolvimento, poderá
contribuir para que essa mudança ocorra.
Muitas vezes
criticamos, mas nada fazemos para que a mudança aconteça.
Entendo que não cabe só ao Estado dar as soluções nas questões
relativas ao envelhecimento e a velhice. Acredito que se
trabalharmos a mudança de pensamento dentro de cada lar, daqui a
alguns anos, conseguiremos mudar as visões e situações após a
vivência da fase adulta. A partir da mudança de pensamento, tenho
certeza que a velhice começará a ser vista de forma diferente, terá
outra conotação.
O desenvolvimento humano não deveria ser
dividido ou visto por fases ou etapas, mas sim como próprio e
contínuo do indivíduo, como um processo. Entendo que essas
colocações feitas que implicam em novas concepções sobre a velhice e
o processo de envelhecimento devam ser amplamente divulgadas. É
fundamental que seja feita a ampliação do currículo escolar, que se
pense e se proponha uma reforma na alteração curricular, onde sejam
incluídas questões relativas ao envelhecimento. É necessário que se
pense e se proponha uma reforma urgente, pois conforme dados
estatísticos, o país está envelhecendo rapidamente.
É dessa
forma, pela mudança de concepções tradicionais sobre a velhice e
elas sendo produzidas, pesquisadas e divulgadas nas escolas, que
entendo a importância da área da educação. As pessoas têm que
perceber que elas não "acordam" velhas. Que não envelhecem porque
fazem tal idade, 40,50,60 anos. Precisam saber que envelhecimento é
um processo "contínuo" na vida de qualquer ser, HUMANO ou ANIMAL.
Mas não é essa idéia que elas têm. Parece que só após uma
determinada idade cronológica é que se envelhece. Não somo CRONOS -
processo etário - , somos KAIRÓS - processo global. Por isso deve
ser trabalhada durante toda a vida do ser humano e não só a partir
de. Tanto física, como espiritualmente.
Cristina Fogaça é Gerontóloga.
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