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O Estatuto do Idoso
(primeiras notas para um debate)


Paulo Roberto Barbosa Ramos

Adicionado ao site em 12.02.2004


Depois de anos de discussão, finalmente foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado no dia 1º de outubro de 2003, pelo presidente da República, a Lei 10.741/03, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso.

Trata-se de Legislação moderna, na mesma linha da Lei de Ação Civil Pública, do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Código do Consumidor.

A aprovação do Estatuto do Idoso demonstra preocupação da sociedade brasileira com o seu novo perfil populacional. O Brasil não é mais um país de jovens, mas um país em acelerado processo de envelhecimento. Esse perfil populacional exige do Estado e da sociedade ações efetivas voltadas à garantia dos direitos fundamentais das pessoas envelhecidas.

Importante observar que no início do século XX a expectativa de vida da população brasileira era apenas de 33 anos. Nesse contexto, portanto, a velhice não se colocava como questão social relevante, até mesmo porque o número de velhos era pequeno e a velhice era tratada como questão doméstica, do mundo privado.

Com o aumento da expectativa de vida da população (hoje já se aproxima dos 70 anos) e a conseqüente organização dos idosos, que passaram a lutar por um sistema de aposentadoria capaz de garantir-lhes dignidade, por um sistema de saúde adequado, por espaços de lazer, por leis mais duras contra atos de violência contra eles praticados nos próprios lares, a questão do envelhecimento transformou-se em questão pública.

Todo esse movimento estimulou o Legislativo a construir, com a decisiva colaboração da sociedade civil, um conjunto de normas voltadas a dar efetividade aos dispositivos constitucionais que garantem dignidade a todo ser humano, independentemente de sua idade.

Dentro de uma cultura jurídica em que as leis valem mais que a Constituição, quando o racional seria o contrário, elaborou-se o Estatuto do Idoso, o qual - é o que se espera - deve contribuir decisivamente para um mais amplo conhecimento e respeito dos direitos fundamentais dos idosos.

Por outro lado, é importante que se diga que o Estatuto do Idoso não irá eliminar instantaneamente de uma vez por todas e para sempre todas as discriminações e violências praticadas contra os idosos. O Estatuto apresenta-se apenas como mais uma ferramenta - muito importante, diga-se de passagem - de um processo voltado à construção de um espaço em que a dignidade da pessoa humana ocupe espaço de eminência.

No Brasil, apesar de a Constituição de 1988 determinar que o respeito à pessoa humana deva ser a principal conduta das autoridades e dos cidadãos, a grande maioria da população continua abandonada e privada dos seus direitos fundamentais. Por isso, não adianta pensar que a proteção aos idosos através de uma lei especial irá resolver os problemas desse segmento populacional. As carências e os sofrimentos dos idosos não começam na velhice. O velho sofrido e aviltado em sua dignidade é, na maioria das vezes, resultado de uma infância abandonada, de uma adolescência desprezada, de uma vida adulta marcada pelo desemprego.

Ante essa observação, vê-se que o Estatuto do Idoso não eliminará todas as violências e privações as quais os idosos estão submetidos.

As normas registradas no estatuto do Idoso consoante as quais as pessoas com mais de 60 anos têm direito à vida, à liberdade, ao respeito , à dignidade, aos alimentos, à saúde, à educação, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à profissionalização, à previdência, à assistência, à habitação, ao transporte não são suficientes para garantir concretamente esses direitos. Se os idosos não tiverem consciência de que esses direitos existem e que as autoridades e demais cidadãos devem agir no sentido de afirmá-los, de nada terá adiantado todo o esforço para sua elaboração e vigência. A lei por si só não é capaz de mudar a realidade. Ela necessita da disposição de todos no sentido de cumpri-la.

As medidas de proteção também são insuficientes para garantir que os idosos não mais serão vítimas de violência, contudo se constituem em previsão importante para evitar abusos e vacilações do Poder Judiciário no sentido de punir aqueles que maltratam as pessoas envelhecidas.

O papel do Ministério Público inscrito de forma tão clara no Estatuto do Idoso representa um avanço importante na luta pela afirmação da dignidade da pessoa humana, mas não suficiente se o Poder Judiciário não se comprometer com esse processo, inclusive por meio da criação de Varas Especializadas para atendimento das demandas dos idosos.

Por fim, esperava-se que o legislador impusesse penas severas contra aqueles que violentam os idosos em sua dignidade e contra parentes que se apropriam indevidamente de suas rendas. Lamentavelmente isso não aconteceu. Observa-se no Estatuto do Idoso enorme complacência do legislador com aqueles que vulneram os direitos fundamentais dos idosos, na medida em que inscreveu como norma o dispositivo consoante o qual os crimes punidos com até quatro anos de prisão devem ser tratados como de menor potencial ofensivo.

Ora, os crimes de menor potencial ofensivo não podem ser definidos de forma distinta por cada nova legislação penal, por mais específica que seja, sob pena de causar distinções iníquas, não agasalhadas pela Constituição. Por outro lado, alterar a todo momento o que se deve entender por crime de menor potencial ofensivo só traz instabilidade para a sociedade, na medida em que norma posterior mais benéfica sempre será invocada para poupar de punição autores contumazes de condutas delituosas.

A lei 9.099/95 em seu art. 61 estabeleceu crimes de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena privativa de liberdade é de até um ano. Com o advento da Lei dos Juizados Federais Criminais, os tribunais de todo País têm entendido que referidos crimes passaram a ter nova definição, alcançando todos aqueles cuja pena privativa de liberdade não ultrapassa dois anos.

Com o art. 94 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), os acusados de prática de crime contra pessoas com mais de 60 anos, cuja pena não seja superior a quatro anos de prisão passam a gozar de tratamento privilegiado em relação aqueles acusados de crimes cuja pena é maior de dois anos.

Argumento de que os crimes previstos no Estatuto do Idoso são específicos e sem paralelo não pode subsistir porquanto o instituto crime de menor potencial ofensivo não pode ter várias definições.

Não parece razoável entender como crimes de menor potencial ofensivo aqueles com grande poder devastador sobre a dignidade dos idosos. Por conta disso, o art. 94 da lei 10.941/03 merece ser declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.



Paulo Roberto Barbosa Ramos, 34, é Promotor de Justiça da Promotoria de Justiça Especializada dos Direitos dos Cidadãos Portadores de Deficiência e Idosos de São Luís, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência - AMPID, Doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP, Pós-Doutor em Direito Constitucional pela USP, Professor das disciplinas Direito Constitucional e Direito do Idoso no Curso de Graduação em Direito e da disciplina Direitos Humanos no Programa de Pós-Graduação em Políticas Pública (Mestrado e Doutorado) da UFMA, autor de, dentre outros livros, Fundamentos Constitucionais do Direito à Velhice, publicado pela editora Letras Contemporâneas.





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