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Aspectos penais do "Estatuto do Idoso"
(Lei nº 10.741/2003)


Paulo Roberto Barbosa Ramos

Adicionado ao site em 17.02.2004


Em clima de adulação popular, fora sancionado quase que na íntegra1, o Projeto de Lei de nº 57, de 2003, do Senado Federal (nº 3.561/97 na Câmara dos Deputados), que cuida do Estatuto do Idoso. Como era de se esperar, tal diploma traz implicações em diversos ramos do direito, passando do público ao privado, até chegar ao penal.

Quanto a este, que nos interessa nas presentes linhas, o artigo 94, dispôs que, aos crimes ali previstos, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei nº 9.099/95. Embora não tenha sido mencionado, cuida-se do procedimento de natureza sumariíssima, com previsão de lavratura pela autoridade policial de termo circunstanciado em lugar de inquérito policial, audiência preliminar e demais institutos despenalizadores (artigos 68 a 83 da Lei nº 9.099/95).

A dúvida que poderá ser suscitada, e acreditamos que o será com freqüência, é se a previsão de aplicação do procedimento sumariíssimo da Lei nº 9.099/95, traz, em seu bojo, a aplicação do conceito, já alargado pela Lei nº 10.259/2001, de crime de menor potencial ofensivo. Originalmente considerado como sendo aquele com pena máxima até um ano de reclusão (art.61, Lei nº 9.099/95), ao depois alargado para o delito cuja pena máxima não seja superior a dois anos de reclusão (por força da dicção legal do parágrafo único do artigo 2o, da Lei nº 10.259/2001), tendo a jurisprudência acolhido a posição doutrinária inicialmente defendida por LUIZ FLAVIO GOMES, entre outros.

Isso porque, embora a lei de que se cuida no presente - Estatuto do Idoso - tenha apenas feito menção ao procedimento previsto pela Lei nº 9.099/95, é curial a esta que seu regramento tem aplicação apenas quando se cuide de delitos cuja pena máxima não ultrapasse os dois anos. Ora, prevendo a novatio legis que terá aplicação o procedimento sumariíssimo da Lei nº 9.099/95 aos crimes não mais cuja pena máxima seja um ou dois anos, mas sim quatro, é válido que se pense na aplicação de todos os seus institutos despenalizadores também a estes mesmos delitos.

Teria, então, o legislador criado uma terceira classificação de delitos de menor potencial ofensivo, limitado aos próprios tipos penais que especifica nos artigos 96 a 109 do Estatuto, ou teria sido novamente estendido o respectivo conceito, de modo a se irradiar para todo o rol de delitos existente no ordenamento positivo pátrio? Para que não soe a dúvida como pedido de resposta, ouso afirmar que, diante das conseqüências despenalizadoras que o alargamento do conceito de delitos de menor potencial ofensivo produz, em uma sociedade que não consegue gerir seus presídios, que significam verdadeiros depósitos humanos, locais de degradação da personalidade e do caráter, entendo que deva, sim, ser tido por novamente estendido o respectivo conceito, a se considerar, a partir da data da publicação da lei - não se levando em consideração o período de vacatio legis estatuído pelo artigo último do Estatuto (118), em razão da retroatividade da lei penal benéfica2 - como sendo delitos de menor potencial ofensivo aqueles cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse quatro anos.

O segundo ponto que merece realce, é aquele constante do artigo 95 do Estatuto, que diz que, quando se tratar de crime que tenha por vítima o idoso - conceituado pelo Estatuto como sendo a pessoa de idade igual ou superior a sessenta anos (art.) -, não terá aplicação a escusa absolutória prevista pelo artigo 181 do Código Penal, nem a fixação da ação penal condicionada à representação, esta prevista pelo artigo seguinte, do mesmo código. Sobreleva a atecnia do legislador, pois menciona que aos crimes previstos no próprio estatuto, não se aplicaria os artigos 181 e 182 do Código Penal. Ora, é expressa a previsão do Código Penal de que tais normas só têm aplicação quando se cuide de um dos crimes patrimoniais previstos entre os artigos 155 a 180, não se imantando a qualquer outro delito que não aqueles previstos no título dos crimes contra o patrimônio, menos ainda se tipificados em norma extravagante. De todos os crimes previstos pelo Estatuto, apenas aquele sob o artigo 102 tem o patrimônio como objeto jurídico tutelado, bastando que, ao preceito secundário respectivo, se fizesse a menção à não aplicação dos artigos 181 e 182 do Código Penal. A essa conclusão nos empurra a técnica legislativa que privilegie a clareza e precisão de seus preceitos3. Isso nos leva a uma releitura da secular afirmação de que "a lei não contém palavras inúteis"...

De todo criticável a primeira exclusão, visto que cuida-se de norma que visa sobretudo à pacificação social, especialmente considerada em seu aspecto da família. Quanto à segunda, que também visa, com grau de menor intensidade, ao mesmo objetivo, ter-se-á que, havendo notitia criminis à autoridade incumbida da persecução, tanto policial quanto judicial, não ficará a ação penal respectiva ao crivo da iniciativa do idoso, mas sob o signo da obrigatoriedade, mitigada pela aplicação da Lei nº 9.099/95.

De forma redundante, previu o Estatuto, em seu artigo 110, que a redação do artigo 183 do Código Penal, passasse a figurar com mais um inciso, numerado como terceiro, afastando a aplicação dos retrocitados artigos 181 e 182 do código citado, quando o delito for praticado contra idoso. Redundante, pois bastava essa última previsão, sem a necessidade de afirmar no bojo do seu artigo 95, que não teria aplicação as normas gizadas naqueles artigos do Código Penal acima mencionados.

Quanto aos diversos delitos tipificados pelo Estatuto, alguns são realmente novos (art.96 - discriminação bancária, em meio de transporte, ao direito de contratar ou meio de exercício da cidadania; art.103 - negativa de acolhimento ou permanência; art.104 - retenção de documento; art.105 - exibição ou veiculação injuriosa; art.106 - induzimento à outorga de mandato, e, art.108 - lavratura irregular de ato notarial), outros, meras espécies de delitos já existentes, aos quais se acresceu a condição de ser a vítima pessoa idosa ou cuidar-se de assunto a ela jungido (art.97 - omissão de socorro; art.98 - abandono de idoso; art.99 - maus tratos; art.101, desobediência; art.102 - apropriação indébita, e, art.107 - constrangimento ilegal), além de um delito sui generis, previsto pelo artigo 100 que, sem poder receber qualquer denominação específica, traz várias condutas que dizem com a discriminação profissional ao idoso, a recusa de atendimento médico, a desobediência à decisão proferida em ação civil pública que verse sobre direito do idoso e, ainda, à recusa em atender requisição do Ministério Público a respeito de informações que sejam imprescindíveis à propositura de ação civil pública.

Por fim, geograficamente colocado no título errado, pois que inserido naquele que versa sobre as Disposições Finais e Transitórias do Estatuto, tipificado fora um último delito, no artigo 109, a respeito de impedimento ou embaraçamento a ato do Ministério Público ou de outro agente fiscalizador, quando, supõe-se, estejam no exercício das prerrogativas atribuídas pelo próprio diploma.

Ainda no que diz com a especificação da condição do idoso enquanto vítima de delitos de diversas sortes, cuidou o Estatuto de acrescentar tal especial condição aos artigos 61 (agravantes genéricas), 121 § 4o (agravante no homicídio doloso), 133 § 3o (agravante no abandono de incapaz), 140 § 3o (injúria qualificada), 141 (agravante nos delitos contra a honra, exceção à injúria), 148 § 1o (seqüestro e cárcere privado), 159 § 1o (extorsão mediante seqüestro) e 244 (abandono material), todos do Código Penal.

Quanto à legislação extravagante, cuidou-se de criar causa de aumento de pena, à contravenção penal de vias de fato (art.21, da LCP - Decreto-lei nº 3.688/41), ao crime de tortura (art.1o da Lei nº 9.455/97) e, ainda, aos crimes previstos na Lei de Entorpecentes (art.18, Lei nº 6.368/76).

Sucintamente, estes os pontos que merecem realce, sendo que a colocação da situação do idoso como agravante ou causa de aumento de pena é louvável, não o sendo, entretanto, a diminuição da idade do respectivo conceito, eis que diversas leis já consideravam o idoso como sendo aquele de idade acima de 65 anos, pois vai na contramão da constatação, feita pelo IBGE, de que a expectativa de vida do brasileiro tem aumentado em nosso país - é claro que, diante de situações díspares, representadas pela constatação de aumento na expectativa de vida, frente à diminuição da qualidade desta mesma vida, optou o legislador por privilegiar esta última, pois de fato não se pode negar que, no Brasil, aumento de expectativa de vida não significa que o idoso terá qualidade de vida.


NOTAS
1Recebeu veto, por iniciativa do Ministério da Justiça e da Advocacia-Geral da União, apenas o artigo 72, que impunha a aplicação do procedimento sumário, previsto no Código de Processo Civil, aos feitos que tivessem por objeto matéria referente ao tema "idoso", por implicar na fixação, reflexa, da competência do Juizado Especial previsto pela Lei nº 9.099/95.
2Art.5o, inciso XL, da Constituição Federal.
3cf. art.11, incisos I e II, da LC 95/98, que dispõe sobre a elaboração, a redação, a alteração e a consolidação das leis.



Jorge César Silveira Baldassare Gonçalves, é Advogado da União em Brasília





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