Com 300 mil servidores a menos na ativa do que em 1989, o Executivo federal tem de arcar hoje com uma folha de aposentados e pensionistas 30% maior do que a paga a funcionários ainda em atividade.
Apenas esse dado já revela um dos grandes vilões do atual rombo nas contas do regime previdenciário do setor público: o enxugamento no quadro de servidores. Em 1989, havia no Executivo 3,5 funcionários trabalhando para financiar cada aposentadoria e pensão . Hoje, essa relação é de 1,19 - e, se forem incluídas as despesas com pensionistas, a proporção cai para 0,75. Ou seja, há menos de um servidor em atividade contribuindo para manter o benefício pago pelo governo federal a cada aposentado ou pensionista.
Como são apenas os funcionários em atividade que contribuem para o regime previdenciário (com 11%), não há fórmula viável politicamente que torne o sistema auto-sustentável. Para equilibrar as contas sem modificar as regras e números atuais - como reivindicam largas parcelas do funcionalismo - cada servidor deveria contribuir com quase um terço do seu salário (28%) e o aporte patronal, do governo, teria de chegar a 56% (a contribuição oficial está hoje em 22%).
Para técnicos do Ministério da Previdência, essa situação é um argumento importante para justificar a proposta de cobrança dos inativos e outras mudanças previstas no texto da reforma previdenciária enviada pelo governo Lula ao Congresso. Para os críticos da reforma, entretanto, os números simplesmente revelam a impossibilidade de se atingir um equilíbrio financeiro e atuarial.
"Não se pode exigir que os servidores que restaram trabalhando paguem a conta de privatizações e do desmonte da máquina pública", afirma o economista Flávio Tonelli Vaz, um dos principais especialistas em finanças públicas do Congresso. Estudo elaborado por ele demonstra que o desequilíbrio hoje existente nas contas da Previdência é proporcional ao grau de desestruturação do serviço público. O problema é maior no Executivo, onde não apenas o total de servidores na ativa caiu desde 1989. De lá para cá, a soma de aposentados dobrou de tamanho.
No Judiciário e no Ministérios Público, onde os serviços se expandiram ao longo da última década, com milhares de contratações, a relação é suficiente para manter o sistema equilibrado, se tomarmos como base a contribuição dos servidores de 11% e a do Estado, de 22%. O total gasto com aposentadorias e pensões no Judiciário e no Ministério Público equivale, respectivamente, a 26% e 33,1% da soma dedicada a pagar os salários da ativa. No Executivo, essa proporção equivale a 130%.
Para Vaz, as contribuições dos servidores do Executivo também seriam suficientes para equilibrar o regime de repartição "descontadas as ocorrências do passado". Além da não reposição do quadro funcional, ele aponta a remodelação do aparelho de Estado como uma causa do desequilíbrio na proporção entre ativos e inativos. "Com a implantação do SUS, a saúde pública foi municipalizada, mas o Ministério da Saúde ainda paga aposentadorias de muitos profissionais do tempo em que esse serviço era prestado pela esfera federal", exemplifica Vaz. Há situações similares em vários outros órgãos. No Ministério das Comunicações, não uma empresa, existem os aposentados da época em que os Correios eram uma autarquia, e em todos os ex-territórios, além do Distrito Federal, há servidores até hoje pagos pela União.
Apesar desses problemas, ele não concorda que a atual situação do déficit previdenciário seja explosiva. E cita projeções atuariais do Ministério da Previdência: o déficit na União tenderia a cair de 0,99% do PIB em 2003 para 0,33% do PIB em 2037, conforme dados do Tesouro Nacional de dezembro de 2002.
Os dados do Ministério do Planejamento, segundo Vaz, já mostram uma queda nas despesas com aposentadorias e pensões de servidores civis em comparação com o Produto Interno Bruto (PIB). Em 1995, por exemplo, as aposentadorias e pensões nesse setor custavam 1,64% do PIB e hoje custam 1,47%.
"O que vem crescendo são as despesas com os benefícios do regime militar, e mesmo assim é preciso verificar se esse aumento é estrutural ou é representativo do reajuste recente concedido em 2001", diz Vaz. O gasto com aposentadorias e pensões dos militares subiu da casa do 0,7% do PIB para 0,91% e 0,95% nos últimos dois anos.
Sérgio Gobetti - Brasília
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