Biscoitos cobertos com chocolate, pirulitos e pipoca de microondas são itens proibidos no apartamento da designer gráfica Carla de Franco, 37. Mas sua filha, Isabela, 4, encontra tudo isso no armário que a avó arrumou especialmente para a neta, próximo ao chão, para que consiga alcançar "tudo o que quer" com seu 1,10 m.
"É meu cantinho", comemora a garota, que tem também na casa um quarto decorado (dorme lá pelo menos uma vez por semana).
"Assim é mais prático, ela já tem aqui roupas, brinquedos, livros. Só tem de trazer a cachorra, uma fox paulistinha miniatura", explica a avó, a aposentada Ariestér Lima de Franco, 60. "A Isabela gosta tanto daqui que um dia me disse baixinho: "Ai, vovó, queria tanto ter nascido da sua barriga...'", conta com sorriso de satisfação.
Às sextas, a avó busca a única neta na escola e a leva ao McDonald's e ao supermercado. À noite, dorme na casa da avó, onde pode andar descalça, deita quando quiser, onde quiser (geralmente na cama da avó) e, se faz xixi no pijama, não toma bronca.
Para Carla, a mãe, a quebra de regras é típica da "classe das avós". "A minha deixava a chave do apartamento comigo quando era adolescente para eu dormir lá quando queria passar a noite fora. Minha mãe é uma avó terrível, nem discuto mais para evitar atrito", resmunga. "Mas quando for minha vez de bancar a vovó, acho que vou ser igualzinha a ela."
Esse princípio de subversão se repete, com as devidas diferenças, a cada geração: toda mãe e todo pai sonham em exibir uma faceta mais relaxada. Mais elas que eles, é bom que se diga: avô subversivo é figura bem menos comum.
"É uma questão de costume, os avôs são historicamente mais distantes. Desde a paternidade, seu contato com as crianças nunca foi tão próximo. E é muito mais fácil impor limites quando você não é tão apegado", explica a terapeuta Magdalena Ramos, 64, coordenadora do Núcleo de Casal e Família da PUC-SP. "Mas esses homens que são pais hoje serão avôs muito diferentes. Desde já são muito mais carinhosos, abraçam, beijam, têm outra sabedoria."
Terapeutas não vêem problema na "liberdade, ainda que tardia" da avó. "Ela tem papel essencial para a criança saber que tem história. Pode folgar, desde que alguém não folgue e faça o contraponto", diz Marcia Pedromônico, 50, psicóloga do departamento de pediatria e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Nessa moeda, sobra para as "coroas" o mimo; cobranças, broncas e proibições, o contraponto, deve ficar com os pais.
"Em casa não tem regra", diz com orgulho Maria Thereza Dantas de Souza, 71, três netos. No jardim de Maria Flora Ramos de Paula e Silva, 62, cinco netos, diz a placa: "Na casa da vovó pode tudo". "Fui rígida com meus filhos e deu certo, mas me arrependo de não ter permitido muita coisa."
"Sempre tento seguir suas vidas, as últimas modas. Agora deram para colecionar aquelas figurinhas de nome estranho (Yu-Gi-Oh!), então sempre dou dez pacotes para cada um", diz Thereza.
Educadora, pesquisadora e autora de livros sobre a família e suas gerações, a canadense Susan Bosak, 41, explica que as avós podem proporcionar "um tipo único de amor incondicional". "Enquanto os pais têm a missão de educar e precisam se preocupar com o que os filhos serão no futuro, elas podem curtir as crianças pelo que elas são no momento."
Ela explica que as avós sentem uma "alegria libertária". "E muita gente encara o papel como a segunda chance para corrigir erros e arrependimentos do passado."
Para a educadora, "mimar um pouco os netos é uma coisa boa". "É o tipo de cuidado positivo que desenvolve auto-estima e ajuda o jovem a suportar pressões. Mas é importante que o neto saiba que a avó é um "ser especial" e que por isso não deve esperar que todos o tratem daquela mesma maneira."
Pelo manual da avó subversiva, a voz do neto é a voz de Deus e deve-se negar excessos ao máximo. "Quando minha filha pergunta se fiz algo "errado", em geral, nego. Por isso procuro seguir mais ou menos o que ela orienta, com escapadinhas", diz Thereza, que tem nos netos os "cúmplices".
Segundo a terapeuta Magdalena Ramos, os pais não devem cortar a avó do mapa, mas "enquadrá-la", deixando claro que a palavra final é sempre dos pais.
E quando a avó passa mais tempo com o neto que a mãe? "O risco de deturpar a educação da criança é enorme. Em casos extremos, a creche é melhor que a avó", diz a psicóloga Marcia Pedromônico.
A assistente financeira Tatiana Melo, 26, vive o problema pois sempre precisou da mãe, a dona-de-casa Aparecida Rosa de Almeida Melo, 51, para cuidar de Beatriz, 4. "Educo a Bia, ela deseduca. Não posso dar sorvete porque causa gripe, ela pode. Comigo não era assim. Elas fazem tudo o que não deixavam a gente fazer."
No início, Aparecida ficava com a neta das 7h às 23h, para que Tatiana concluísse a faculdade. "Ela só dormia com a mãe, eu praticamente a criei. Mas não admito quando falam que eu estrago a menina", retruca Aparecida, que agora cuida da neta enquanto a filha trabalha (das 8h30 às 18h30).
Repórter Déborah Yuri
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