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Força, poder e prazeres da 3ª idade
Fonte: Jornal Estado de São Paulo - 13.07.2003


O Brasil tem uma população de 27.053.620 pessoas com mais de 50 anos, segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se cada um ganhasse apenas o salário mínimo de R$ 240, já seria suficiente para movimentarem R$ 6,5 bilhões por mês ou R$ 78 bilhões por ano, sem contar o 13.º salário. Como nessa faixa etária se encontram profissionais no auge das carreiras, a média de rendimento é de três salários mínimos ou R$ 19,5 bilhões mensais. Afinal, muitos ainda estão na ativa. Alguns são empresários e executivos de grandes companhias, outros contam com o reforço de aluguéis, pensões ou aposentadorias integrais. É certo que acompanham a escala de desigualdade do País, mas mesmo que 30% fiquem na linha do salário mínimo, outros 36% estão nas classes A e B.

Detalhe: com a evolução da medicina, é uma população que cresce a cada ano e que desperta o interesse de indústrias e empresas de serviços para seus hábitos de consumo. Pesquisa da Ipsos/Marplan feita no primeiro trimestre do ano em nove capitais - São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador, Curitiba, Brasília, Fortaleza e Porto Alegre - revelou que as mulheres representam 60% da faixa acima de 60 anos, enquanto 40% são homens, diferentemente da população total, em que 53% são mulheres e 47%, homens.

Com características mais conservadoras do que a população em geral, os que têm mais de 60 anos somam 4 milhões de pessoas nas capitais pesquisadas pelo Ipsos/Marplan. A aplicação preferida quando o assunto é dinheiro são as cadernetas de poupança (31% ante 26% da população como um todo). Também são os maiores consumidores de farmácias e drogarias: 53% dos pesquisados fizeram compras nos últimos 15 dias, porcentual que cai para 51% na população como um todo.

São também os homens acima de 50 anos os que mais contribuíram para que a Pfizer registrasse vendas de US$ 60 milhões com o famoso Viagra no ano passado. O mercado é tão promissor que a Eli Lilly, fabricante do Cialis, concorrente do Viagra, está otimista com as vendas do medicamento que promete resultado a partir de 30 minutos e efeito de até 36 horas mediante estímulo sexual. Mas se o Viagra e o estreante Cialis fazem a alegria dos homens, as mulheres da terceira idade não poupam investimentos em eletrodomésticos que facilitam a vida no dia-a-dia. A pesquisa da Ipsos/Marplan mostra que 25% das com mais de 60 anos têm freezer em casa, enquanto na média da população a proporção é de 22%, e 64% têm máquina de lavar roupa. Já 88% dos idosos têm casa própria, porcentual que cai, na população geral, para 78%.

As pessoas na terceira idade têm atitudes muito características: 47% costumam cuidar de plantas, ante 25% da população; 46% cozinham; 40% andam ou correm, enquanto apenas 38% da população o fazem. Também adoram viajar e não dispensam os pacotes turísticos. A casa é o espaço mais importante e 90% não gostam de bagunça. Para 68%, o casamento não está completo sem filhos e 90% encontram conforto na religião.

Já a pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) mostra que 35,3% dos 850 mil moradores da capital com mais de 60 anos têm rendimento de 1 a 2 salários mínimos; 15,1% de 2 a 3 salários mínimos; 10,6% de 3 a 4 salários mínimos; e 26,5% de 5 salários mínimos ou mais. De acordo com essa pesquisa, 13% deles vivem sozinhos, 71,7% pagam pelos medicamentos que usam com o próprio dinheiro, apenas 9,7% têm remédios por meio do sistema público e 40,4% têm seguros ou planos de saúde privados.

Uma turma que, com todo o respeito, não dispensa uma balada. Adora os bailes da terceira idade e é assídua freqüentadora de academias de ginástica e salões de estética.

Muito exercício físico: bom para corpo e alma

Todas as segundas, quartas e sexta-feiras Theresinha M. C. de Campos, de 69 anos, Marlene Eringis, de 61 anos, Hylda Foti Ricci, de 73 anos, Maria Thereza Valenci, de 67 anos, e Maria Pacheco, de 69 anos, têm um compromisso do qual não abrem mão. Levantam por volta das 6 horas para estar às 7h30 na unidade norte da Associação Cristã de Moços no Bairro do Limão, na zona norte da capital. É nesse espaço, dentro do programa social Superveteranos, que não cobra mensalidade para quem tem mais de 60 anos, que põem o corpo em forma. Fazem caminhada, ginástica e hidroginástica, sempre acompanhadas de instrutores num time que reúne 60 pessoas nas manhãs. No total, essa unidade da ACM atende no projeto 137 homens e mulheres.

O secretário-executivo da ACM Unidade Norte, Marco Antonio Olivatto, faz questão de tratá-los como superveteranos. Eles adoram o termo. "Não somos velhos de cabeça, só o corpo e esse estamos remodelando nas aulas", garante Maria Pacheco, que adora fazer ginástica para se manter em forma. "Me sinto outra." Olivatto acredita que o interesse desses veteranos irá aumentar ainda mais a partir de 2004. "Estamos trazendo técnica desenvolvida na ACM do Canadá de exercícios que visam prevenir a osteoporose." A doença enfraquece os ossos e afeta a vida de 10 milhões de brasileiros, a maioria maiores de 50 anos.

Nas aulas da ACM, no entanto, Hylda é uma das mais animadas. Viúva, mãe e avó, ela acabou encontrando um namorado nas aulas, que está dando mais motivação aos exercícios. "Hoje, faço uma série de coisas que não fazia antes, me sinto até mais jovem, com disposição para viajar." Essa faixa etária faz, de fato, a alegria de agências de viagens como a CVC e a Queensberry, que prepara quatro saídas este mês para o Leste Europeu e a Escandinávia. Desde o ano passado, a empresa oferece pacotes para quem tem mais de 60 anos, um público que tem contribuído para melhorar os resultados.

A própria ACM, conta Olivatto, aproveita esse desejo dos veteranos em viajar para organizar viagens para lugares como Campos do Jordão e até Porto Seguro, no litoral baiano. "Eles adoram e a adesão é sempre acima das expectativas." Para Hylda, os passeios são o melhor complemento dos exercícios. "Disposição eles têm e muita", diz o secretário-executivo da ACM. Ele revela uma das paixões dessa turma: o bowls. Um jogo que os ingleses trouxeram para São Paulo há mais de 100 anos e que consiste em acertar uma bola menor nas outras maiores. Pode ser jogado por uma ou mais pessoas e chega a lembrar o jogo de bocha. "O bom é que os obriga a raciocinar e a testar a visão. Também têm de aguçar a memória para ver onde o outro deixou a bola e tentar acertar no alvo." Os homens adoram e as mulheres torcem para que as colegas acertem as bolas na quadra.

A alegria dos bailes no Carinhoso

Rua Leais Paulistanos, 250. Todas as tardes, uma fila de mais de 100 pessoas, a maioria com mais de 60 anos, se forma na porta da casa de dança Carinhoso, no bairro do Ipiranga, a poucos metros de onde D. Pedro I proclamou a Independência. Esses homens e mulheres, que há muito deram seu grito de independência - a maioria pais dedicados, com netos e bisnetos -, lotam todos os dias, das 14 horas às 21 horas, o imenso salão de bailes, onde não se pode entrar de jeans, tênis, camiseta ou bermuda.

Eles fazem a alegria do dono da casa, Augusto Aderaldo Filho, de 60 anos, que descobriu na terceira idade uma forma de diversão e rendimento financeiro. "Os bailes da saudade nunca reúnem menos de 500 pessoas, que consomem cerca de 15 a 20 caixas de cerveja e o dobro disso em refrigerantes, de preferência água tônica e um sem número de drinques, do uísque ao Martini com cereja ou azeitona. Pagam R$ 5 o ingresso e R$ 10 a mesa de pista." Quem tem o cartão Carinhoso Vip, pelo qual desembolsa R$ 20, freqüenta todos os bailes por seis meses pagando apenas R$ 3 por baile e tem preferência na reserva de mesa, vendida a R$ 10. O imenso salão é animado pela banda e pela orquestra Carinhoso, tudo ao vivo, com a voz de Tânia Mara, uma das intérpretes que Cauby Peixoto adora ouvir, colorindo o ambiente onde 200 mesas com toalhas azuis claras estão sempre postas.

No feriado paulista do dia 9 de julho, Maria Ignês de Morais, de 75 anos, dois filhos, cinco netos e sete bisnetos, engrossava a fila do Carinhoso.

Nesse dia, ela saiu de casa, em São Bernardo do Campo (SP), às 13 horas para chegar pontualmente às 14 horas, quando o salão de baile abriu as portas para a matinê. Maria Ignês foi com uma amiga de Santos, que tem carro e lhe deu carona. Dividiu com ela e outras duas conhecidas a mesa de número 138, que há sete anos mantém no Carinhoso. "Isso aqui é minha vida, eu danço, converso e vejo os amigos", diz e tira da carteira seus bens mais valiosos:

a foto do marido que faleceu há 29 anos e onde, na parte, de trás está a assinatura do vizinho ilustre de São Bernardo do Campo, o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva "São meus tesouros e me protegem", diz antes de rodopiar pelo salão, nos braços do amigo Silvio Di Stasno, de 71 anos.

Maria Ignês é o tipo de mulher da terceira idade que as grandes empresas e empresários começam a dar mais atenção. Pesquisa do instituto Ipsos/Marplan mostra que essa fatia crescente da população brasileira está disposta a viver mais, se valendo dos avanços da medicina, sem abrir mão dos prazeres da vida. Mesmo dependendo muitas vezes de aposentadorias e pensões, alguns desses homens e mulheres, extremamente conservadores nos investimentos, engrossam os rendimentos com aluguéis e cadernetas de poupança. Dinheiro que serve para a diversão, medicamentos e também para alimentar a vaidade.

Maria Ignês, por exemplo, não abre mão de bons vestidos. No feriado, ela usou um de veludo preto contrastando com os cabelos tingidos de acaju. E diz que se não se sentir bonita antes de sair de casa, troca de roupa e muda o penteado. Só não deixa, "por nada", de ir ao baile. Ela gasta boa parte do que ganha de pensão com os ingressos e mesa do Carinhoso, as roupas que exibe nesse salão de tons pastéis e os medicamentos para artrite, que por vezes a impede de usar o sapato de salto alto. "Se precisar venho de sapato de salto baixo e até costuro para ter um vestido novo porque, aqui, ninguém entra se não estiver bem arrumado", diz, sempre elogiando a casa, que oferece refeição gratuita no fim do baile.

Marriba Debien, de 65 anos, separada há 33 anos, dois filhos, quatro netos e uma bisneta, é outra freqüentadora assídua do Carinhoso. "Eu vivia aos frangalhos por ser diabética, descobri, aqui, na dança, uma vida nova e hoje sou outra pessoa", afirma dizendo que o próprio médico recomendou que arrumasse alguma atividade. Hoje, essa descendente de libaneses - que fala o árabe com fluência - é quem prepara pratos como esfihas e kibes para as novas amigas do baile. Ela também não esconde a vaidade. Adora comprar roupas e sapatos que lhe permitem dançar com mais desenvoltura. No feriado da quarta-feira, estava de vestido azul e sapatos prateados com os quais saiu rodando pelo salão na companhia do amigo José Carlos Aguiar, de 63 anos. "Eu venho mais para dançar e ver os amigos, mas sempre tem uma paquera", diz Marriba, ruborizada com a própria confissão. E sem esconder a vaidade confessa usar as melhores marcas de cosméticos nos dias de baile. E em casa? "Bem, aí, dá para usar um mais barato."


Repórter Carlos Franco



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