Foi em clima de guerra que a comissão de deputados encarregada de discutir a reforma da Previdência aprovou ontem a proposta, em votação simbólica. Soldados da tropa de choque da Polícia Militar, convocada pelo presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), tentaram impedir que servidores públicos contrários às mudanças entrassem no Congresso e chegaram a circular pelos corredores da Casa.
Um dos manifestantes, o sindicalista Rogério Fagundes, forçou a passagem pela porta de vidro que dá acesso ao corredor das comissões e acabou algemado e arrastado por dois policiais militares. A tensão atingiu níveis comparáveis aos dos debates mais acalorados da Constituinte de 1988 – com a diferença de que o presidente da Assembléia Nacional, deputado Ulysses Guimarães (PMDB-SP), não recorreu à PM.
As quatro entradas principais do Congresso foram cercadas por uma centena de policiais. Mas o que despertou a ira de deputados da situação e da oposição foi ver soldados fardados e armados cruzando os corredores da Câmara. “Estamos indignados. Vamos conversar para os servidores acompanharem a votação sem que haja truculência”, protestou a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ).
Mais tarde, João Paulo apresentou suas explicações: “Autorizei que usassem um atalho, por dentro da Câmara, para evitar o confronto entre os policiais e os manifestantes. Minha obrigação é zelar pelo Poder e espero ter feito como alguém que preza a democracia. Sempre que houver risco para o Legislativo a PM será convocada como força auxiliar.”
Sindicalistas levaram apitos estridentes e tentavam impedir a entrada de parlamentares no Congresso. Servidores da própria Câmara começaram a bradar contra os deputados. Sobrou para o líder do PPS, Roberto Freire (PE), que, a poucos metros da comissão, promovia o lançamento do portal do partido na internet. “Traidor! Traidor!”, gritou Rui Teixeira, integrante do Sindicato dos Fiscais da Receita Federal. “Traidor é você!”, devolveu Freire. “Vocês nunca mais terão nosso voto!”, insistiu o sindicalista. “Vá reclamar com o PT!”, retrucou o deputado.
As associações dos servidores recorreram ao Supremo Tribunal Federal (STF), cujo presidente, Maurício Corrêa, concedeu três liminares garantindo-lhes o acesso à Câmara para acompanhar a votação. Corrêa considerou que o direito de ir e vir esteve comprometido durante a confusão entre funcionários, deputados e policiais.
De perto – O poder de polícia do Congresso, segundo Corrêa, serve para evitar excessos, não para impedir que pessoas ingressem no prédio. João Paulo considerou as liminares desnecessárias: “Estamos garantindo a entrada dos servidores no espaço disponível.” De qualquer forma, os servidores pretendem usá-las para acompanhar de perto as próximas etapas de discussão da reforma da Previdência.
O debate na comissão foi quente. “O Lula é um genérico do Fernando Henrique!”, fustigou o deputado Arnaldo Faria de Sá (PP-SP). O líder do governo na Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), contra-atacou: “Enfrentamos a ditadura aqui nos cárceres enquanto certos flanavam por Paris! Não aceitam que o macacão chegue ao Planalto!”
Apesar do clima pesado, os governistas estavam mesmo dispostos a consumar a aprovação da proposta. A reunião da comissão começou por volta das 10 horas, foi interrompida à tarde, para que os deputados pudessem participar de votações no plenário da Câmara, e retomada à noite. A batalha só acabou perto das 22h30.
Repórter Christiane Samarco e Eugênia Lopes - Brasília
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