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A visão dos brasileiros em perspectiva
Ricardo Uras


A aposentada Deolinda Moraes, que se
submeteu a duas cirurgias de catarata

Hábitos saudáveis, visitas regulares aos médicos e muita informação são chave para evitar doenças nos olhos.

ANA PAULA DE OLIVEIRA E RODRIGO GERHARDT
DA REPORTAGEM LOCAL / Jornal Folha de São Paulo – Caderno Equilíbrio 04/10/2004.

Quando o assunto é cuidado com os olhos, a maioria das pessoas ainda faz vista grossa para a prevenção - muitas vezes por falta de informação ou de acesso aos médicos. Com esse cenário, o Brasil está entre os seis países que começaram a ser avaliados mais de perto pela OMS (Organização Mundial da Saúde) quanto ao atendimento oftalmológico prestado à população. Os outros são Chile, Rússia, Índia, Egito e Etiópia.

Para levantar os dados, pesquisadores do Instituto da Visão da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), parceiros brasileiros do estudo, levam em conta, além das queixas quanto ao acesso a tratamentos do SUS (Sistema Único de Saúde), a percepção do paciente sobre a habilidade do profissional que prestou o atendimento, seu nível de satisfação com o serviço, o uso de equipamentos e até o tempo que passaram na sala de espera. "O diagnóstico servirá para orientar a elaboração de políticas públicas e terá influência na formação dos oftalmologistas. O objetivo da OMS é aumentar o acesso das pessoas à assistência oftalmológica", informa a pesquisadora e coordenadora do projeto, Solange Salomão.

Em análise preliminar de 1.200 questionários respondidos -serão 4.500 ao todo-, cujos resultados estão sendo levantados neste mês, a falta do uso de óculos é o problema principal nas classes mais baixas, ainda que a catarata figure no topo do ranking das doenças de visão que atingem os brasileiros.

Nos próximos meses, os pesquisadores do Instituto da Visão avaliarão também o atendimento particular por meio de usuários de planos de saúde. "Sabemos que alguns convênios são piores do que o SUS", informa o oftalmologista Rubens Belfort, um dos investigadores. Como não existe um padrão de eficiência mínima no país, o atendimento ainda é irregular -métodos modernos convivem com técnicas mais antigas. O caso da aposentada Deolinda Moraes, 72, ilustra essa realidade. Em um intervalo de apenas seis meses, ela se submeteu a duas cirurgias com técnicas diferentes para tratar catarata.

Na primeira, o olho direito foi operado com uma técnica mais dolorida e de recuperação mais lenta, que exigiu um corte maior e pontos. "A cirurgia demorou duas horas. Precisei tomar uma injeção de antibiótico no olho. Fiquei traumatizada pela dor, apesar do bom resultado", conta Deolinda, que só foi operada do olho esquerdo depois de convencida pelas amigas de que havia um outro método menos invasivo. A segunda cirurgia, 35% mais cara, durou 20 minutos e não exigiu pontos, pois o corte era muito menor. Nessa técnica mais moderna, o cristalino defeituoso é aspirado e substituído por uma lente artificial que entra dobrada. "Saí da cirurgia e fui almoçar. Esqueci que estava operada", diz a aposentada, satisfeita.

Há alguns anos enxergando uma cortina enfumaçada, que atribuía aos óculos, Deolinda diz que só tomou conta da transformação visual pela qual passou quando chegou em casa. "Percebi a cor linda que tinha o meu sofá."

Segundo o censo de 2002 do IBGE, os 16,6 milhões de brasileiros que usam óculos afirmaram continuar com dificuldades para enxergar. A informação reforça o que a OMS já comprovou: problemas de visão devem ser tratados como questão de saúde pública. "Muitas pessoas usam os mesmos óculos durante anos, a vida inteira", afirma a oftalmologista Daniella Fairbanks, chefe do pronto-socorro do hospital São Luiz.

"Hoje eu enxergo melhor do que quando usava óculos", conta o engenheiro Marcelo Brasil Andrade, 35, que optou por uma cirurgia para corrigir seus quase cinco graus de miopia com um aparelho chamado "Wave Front", que detecta de forma minuciosa imperfeições do sistema ocular.

Questão de saúde

Acompanhar o envelhecimento do olho trocando a lente assim que necessário ou fazendo uma cirurgia, contudo, não é o centro do problema alardeado pela OMS. O foco da pesquisa é indicar medidas preventivas para toda a população. Apesar de a maioria das doenças que afetam a visão poder ser tratada ou controlada, como catarata, glaucoma e degeneração macular, elas ainda cegam os brasileiros por falta de diagnóstico precoce.

"Costumo dizer que todas as pessoas irão, pelo menos uma vez na vida, ao oftalmologista", brinca Fairbanks, do hospital São Luiz. O chefe do departamento de Distúrbios Visuais Funcionais da Unifesp, Ricardo Uras, explica o motivo: "Praticamente todos os indivíduos terão catarata, principalmente com o aumento da longevidade, além dos 70 anos".

Entretanto as visitas freqüentes ao oftalmologista, uma vez por ano, devem ser feitas mais cedo do que isso: a partir dos 40. É nessa idade que o glaucoma pode surgir. "É uma doença sorrateira porque não dá sinais nem sintomas. Pelo aumento lento e discreto da pressão intra-ocular, vai roubando a visão periférica. Quando percebemos, já se foi a maior parte do campo visual", explica Mauro Rabinovitch, do hospital Albert Einstein e pesquisador do setor de Bioengenharia Ocular da Unifesp.

As consultas ao especialista, porém, devem começar na infância. É muito comum o rendimento da criança na escola cair quando ela não está enxergando bem. Os pais de Ana Luiza Scripilliti Ribeiro, 8, perceberam que ela apertava os olhinhos para assistir à televisão ou se sentava próxima demais do aparelho. "Primeiro, ela não queria ir. Já existia um receio de usar óculos. Hoje, um ano depois, ela se acostumou. Aliás, é incrível como o acessório se incorpora à personalidade das pessoas. Quando a vejo sem eles, eu estranho", relata o pai, o gastroenterologista Marcelo Ribeiro Jr.

Atitude preventiva

Se doenças podem ser evitadas ou amenizadas com um diagnóstico precoce, em relação aos acidentes, só o uso de equipamentos de proteção impedem danos à visão. Em atividades ou profissões de risco, como o soldador, essa preocupação está mais disseminada. "No entanto são comuns acidentes durante as práticas esportivas", informa o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia, Paulo César Fontes.

Para os praticantes de esportes na neve ou no gelo, iatistas e escaladores, o risco vem da luz solar, pois a radiação ultravioleta pode causar lesões superficiais na córnea e catarata. Entre os esportes com risco de traumas e hemorragias mais comuns estão: tênis, squash, boxe, esgrima, basquete e lutas marciais.

Quem tem miopia e sente o incômodo do uso dos óculos ou fica inseguro em perder as lentes de contato durante a prática esportiva pode se beneficiar de um novo tratamento não cirúrgico que dispensa o uso desses apetrechos. Chamada de ortoceratologia, a técnica faz uso de um dispositivo semelhante à lente, mas que o paciente usa apenas quando vai dormir. Durante o sono, ele faz pressão sobre a córnea, sem tocá-la, corrigindo a deformação responsável pela miopia. "Com uma semana já é possível sentir os resultados", diz o oftalmologista do Hospital Oftalmológico de Brasília Leonardo Alan Rocha. Com um custo 50% menor do que o de uma cirurgia, o tratamento regride se o dispositivo for abandonado.

O acidente com o jogador Eduardo Gonçalves de Andrade, o Tostão, astro da copa de 1970 e colunista da Folha, entrou para a história. Em 1969, uma bolada no rosto causou o descolamento da retina no olho esquerdo e quase o cegou. Recuperado depois de uma cirurgia às pressas, o medo de um novo acidente o levou a se afastar do futebol em 1973. Até então,um acidente assim nunca tinha ganhado tanta evidência no meio. "Várias pessoas vinham me procurar buscando informações", conta Tostão. Prevenção parece mesmo rimar com informação.

Doenças mais comuns

Catarata

Na forma de catarata senil -geralmente acomete pessoas acima dos 70 anos-, lenta e progressivamente, o cristalino (lente que compõe a objetiva do olho) perde a transparência, tornando-se opaco, dificultando a visão. Nesse caso, o processo é reversível com intervenção cirúrgica. Óculos de sol contra intensa luz solar é a prevenção, segundo evidências estatísticas.

Glaucoma

O sistema de drenagem do humor aquoso -subproduto do sangue que nutre estruturas do olho- fica obstruído. O líquido permanece represado, o que aumenta a pressão intra-ocular e provoca, gradativamente, a perda da visão. Apesar de ter tratamento, metade dos 900 mil brasileiros com glaucoma não sabe que sofre desse mal. Sem cura, a prevenção se dá medindo a pressão intra-ocular regularmente, pois o diagnóstico precoce amplia as chances de controle.

Degeneração macular relacionada à idade

Processo degenerativo da principal região da retina, a mácula, responsável pela acuidade visual central. Quando essa área se degenera, o paciente apresenta visão distorcida e embaçada. A doença costuma atingir quem tem mais de 50 anos, porém é mais freqüente a partir dos 75 anos. Fazem parte do grupo de risco pessoas com histórico familiar, com pele e olhos claros e tabagistas. Óculos de sol fazem parte da prevenção, assim como a ingestão de antioxidantes como as vitaminas C e E, os minerais zinco e selênio e os betacarotenóides. Praticar exercícios físicos também auxilia a combater os radicais livres.

Abra o olho

Líquidos

Apesar dos efeitos benéficos do leite materno -substitui antibióticos, antiinflamatórios e cicatrizantes, eliminando secreções e combatendo a conjuntivite-, pode ser prejudicial aplicá-lo no olho de um bebê, como pregam algumas simpatias, pela possível transmissão de infecção e microorganismos nocivos. "Se tiver doenças como hepatite, conjuntivite ou Aids, uma lactante pode transmiti-las à criança, fazendo do olho uma porta de entrada de doenças", afirma a oftalmologista Daniella Fairbanks, do hospital São Luiz. Pingar limão, água boricada ou chás nos olhos pode irritá-los e até infeccioná-los (soro, água mineral ou filtrada estão liberados). Já o uso constante de colírios vasoconstritores pode causar dependência. Prefira colírios lubrificadores ou umidificadores;

Luz

Evite longas exposições à luz solar sem óculos escuros. Além de proteger contra os raios nocivos do sol, o acessório auxilia a prevenção contra doenças como degeneração macular, pterígio e catarata. Entretanto a luz irradiada pela TV ou pelo computador não gera doença ocular, mas a longa exposição pode dar dor de cabeça e deixar a vista cansada. O estado de alerta que esses aparelhos produzem faz com que a pessoa pisque menos, o que causa ardência pela baixa lubrificação nos olhos. Assistir à TV no escuro não prejudica os olhos, porém uma iluminação mais suave evita o contraste intenso entre a luminosidade do ambiente e o brilho da televisão. Óculos genéricos servem em uma urgência, porém seu uso prolongado pode ocasionar dores de cabeça e vermelhidão nos olhos;

Irritação

Evite esfregar os olhos, pois, além de irritar a região, o ato de coçar pode romper pequenos vasos na parte branca do olho, provocando o surgimento de pequenas linhas vermelhas -em alguns casos pode até danificar a córnea. Fezes de animais de estimação, como a do gato, podem transmitir toxoplasmose, doença que pode cegar. Maior atenção deve ser dada às crianças, que devem evitar colocar a mão na boca e coçar os olhos depois de brincar com os bichos;

Curiosidades

O efeito do olho vermelho em fotografias é causado pelo reflexo do flash no sangue que irriga a retina. A luz penetra pela pupila, que geralmente está bem aberta porque o ambiente está escuro, e reflete o vermelho dos vasos no fundo do olho.Uma simples lágrima possui três camadas, cada uma com uma função específica: a mucina recobre a córnea e é uma espécie de muco que protege contra poeiras e sujeira. A segunda é a aquosa, que alimenta a córnea com nutrientes e protege os olhos de infecções. A terceira, a lipídica, produz uma óleo que impede que as outras camadas evaporem. Ler no carro, no metrô ou no ônibus não prejudica a vista. No máximo, pode cansar os olhos, pois a pessoa precisa fazer um esforço maior para conseguir focalizar a palavra -mas esse efeito é momentâneo e sem conseqüências.

Fonte: Ricardo Uras, professor e chefe da disciplina de oftalmologia da Unifesp


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