Simulações do impacto da Reforma da Previdência Celso Ming
Adicionado ao site em 28.07.2003
O Ministério da Previdência Social não tem informações confiáveis para avaliar o impacto real que a Reforma da Previdência vai provocar sobre suas contas.
O ministro Ricardo Berzoini tem dito que a reforma deve reduzir o déficit em R$ 50,7 bilhões em 20 anos.
Mas este é o resultado que deverá provir apenas do aumento do limite de idade para aposentadoria do servidor público. Outras decisões já incorporadas ao projeto da reforma deverão provocar uma redução maior do déficit nos dois sistemas (INSS e Previdência dos Servidores Públicos), que, neste ano, deverá atingir os R$ 74 bilhões, ou 5,2% do PIB. Mas grande parte dos cálculos teve de ser feita no escuro.
Helmut Schwarzer, 38 anos, doutor em Economia pela Freie Universität Berlin e ex-coordenador da Diretoria de Estudos Sociais do Ipea, é o secretário de Previdência Social do Ministério da Previdência. É ele, também, quem roda as simulações sobre a economia de recursos que o projeto de reforma vai proporcionar. E o que ele conta mostra que o ministério controla menos informações do que se supunha até aqui. Confira a seguir:
(1) Precariedade de dados - O Ministério da Previdência não possui informações básicas sobre boa parte do universo dos funcionários civis do setor público. Não tem, por exemplo, acesso aos dados dos funcionários do Poder Legislativo e só aos da metade dos funcionários do Poder Judiciário. "Não sabemos a idade do servidor, o tipo de serviço que presta, condição do cônjuge e dos filhos. Por isso, não dá para calcular expectativa de vida ao aposentar-se, o valor da pensão e tudo o mais."
Isso significa que o ministério não conta com os elementos básicos de análise de pelo menos um terço dos funcionários civis da União. Acredite quem quiser, essa desinformação vinha até agora sendo considerada "normal", porque atribuída à necessária independência entre os poderes da União.
Prova de que não se trata apenas de independência entre poderes é que o Ministério da Previdência também não possui as informações pessoais sobre os integrantes das Três Armas, embora eles estejam sob jurisdição do Poder Executivo.
(2) A outra parte do setor público - A situação previdenciária dos Estados e municípios não tinha, em princípio, de ser controlada pelo ministério porque obedece a regimes próprios. No entanto, como está encarregado de coordenar a reforma cujas regras vão prevalecer não apenas para os funcionários da União mas, também, para os dos outros segmentos do setor público, o ministério deveria estar de posse das informações sobre os servidores dos Estados e dos municípios.
No entanto, ao final do ano passado, só contava com dados pormenorizados sobre o funcionalismo público de três Estados. Mesmo assim, apenas um Estado, o do Tocantins, havia fornecido informações completas. De lá para cá, além desses três (Tocantins, Sergipe e Ceará), o ministério obteve informações de mais seis Estados (Maranhão, Amazonas, Goiás, Minas, Rio Grande do Sul e Paraná). Os outros 21 Estados ainda estão devendo esses dados. Ainda assim, dois desses nove Estados também não sabem o que acontece com os funcionários do Poder Judiciário em serviço em seus territórios.
O desconhecimento sobre a situação dos municípios é ainda maior. Apenas quatro (Vitória é um deles) enviaram seus dados a Brasília. Dos pouco mais de 5,5 mil municípios, 2,1 mil têm regime previdenciário próprio. Os demais são regidos pelo INSS. Por aí se vê que as simulações sobre o impacto da reforma nas finanças da Previdência do setor público carregam fortes limitações.
(3) Represamento - Ainda assim, Schwarzer garante razoável confiabilidade aos números já divulgados, que apontam para uma economia de R$ 50,7 bilhões em 20 anos, na Previdência do setor público da União, caso a reforma passe como está no anteprojeto do deputado federal José Pimentel (PT-CE). Ele avisa que pouco mais da metade dessa redução de despesas, de R$ 2,5 bilhões por ano, está calcada no "efeito represamento", o dispositivo que exige mais sete anos de vida ativa do servidor antes de se aposentar.
Esse efeito também apresenta imponderabilidades. No momento, cerca de 130 mil funcionários, 20% dos atuais servidores do governo federal, já têm direito à aposentadoria. Por isso, o projeto institui um abono para segurar esses servidores por mais tempo na ativa. O ministério tem de trabalhar com estimativas sobre a parcela desse universo que morderá essa isca.
(4) Contribuição do inativo - Nos primeiros anos da vigência da reforma, uma parte importante do ganho fiscal da reforma previdenciária do setor público da União será obtida na ponta da arrecadação. Trata-se da cobrança da contribuição de 11% sobre o benefício pago ao servidor inativo. A arrecadação esperada deverá alcançar alguma coisa entre R$ 900 milhões e R$ 1 bilhão por ano.
(5) Contribuição sobre o faturamento - A maior dificuldade para projetar as condições do Sistema Geral, o INSS, é a queda da massa salarial e o aumento da informalidade, que vão reduzindo as receitas do sistema. (A propósito, quarta-feira, o IBGE revelou que a renda média do trabalhador no período de 12 meses terminado em junho caiu 13,4% em relação a igual período anterior; e que a informalidade aumentou 8%.) O impacto negativo dessa situação sobre o caixa da Previdência deverá ser em parte reparado por uma decisão embutida na outra reforma, a do sistema tributário. A idéia é cobrar parte da contribuição das empresas não mais sobre a folha de pagamentos mas sobre o "faturamento recalculado como valor agregado", de maneira a evitar a cumulatividade da contribuição (efeito cascata).
Schwarzer está convencido de que a cobrança de uma contribuição de 5% sobre o faturamento agregado permitirá uma redução de 20% para 10% da atual contribuição obrigatória sobre a folha de pagamentos.
Ele esclarece que a idéia não é aumentar a arrecadação do INSS mas apenas redistribuir a carga contributiva do sistema de modo a favorecer as empresas que mais empregam. Outra vantagem, segundo ele, desse novo sistema é evitar as oscilações cíclicas da arrecadação do INSS. "As empresas demoram para contratar. O faturamento precisa melhorar muito antes de começar o processo de criação de empregos e, conseqüentemente, aumentar a contribuição da empresa, que hoje é calculada sobre a folha de pagamentos. Por isso, a contribuição sobre o faturamento deve melhorar o fluxo de caixa do INSS."
(6) Aumento do teto - Outra decisão que vai reforçar as finanças do INSS é o aumento do teto das aposentadorias para R$ 2,4 mil. A partir do momento em que esse novo teto entrar em vigor, as contribuições dos trabalhadores também aumentarão. Nos próximos anos, o ganho fiscal com esse dispositivo será de R$ 1,9 bilhão por ano. A receita extra nos próximos 20 anos, a partir de 2004 será de R$ 23,3 bilhões. À medida que começarem a se aposentar os trabalhadores que tiverem sido beneficiados por esse novo teto, esses ganhos deverão diminuir gradativamente. Depois de 20 anos, serão novamente alcançados pelo aumento de despesas porque o teto mais alto proporcionará aposentadorias também mais altas.
Celso Ming é comentarista econômico do Jornal da Tarde.
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