A conhecida relação entre sintomas depressivos e idade avançada sempre tem gerado numerosos estudos. A maioria desses estudos aborda a polêmica sobre o fato da depressão no idoso ser considerada, ou não, um tipo diferente das demais depressões. Esse debate inicialmente se concentrou sobre a idade do paciente idoso que sofria de depressão, interessava saber se a depressão era senil, involutiva, pré-senil, etc.
Posteriormente, enfocou-se as comparações da idade dos pacientes quando se iniciou a depressão. Nesse caso enfatizava-se antecedentes depressivos, episódios depressivos ou distimia na história pregressa do paciente. Neste caso pretendia-se saber se a depressão era, de fato, senil ou era uma depressão antiga apresentando mais um episódio agudo no idoso.
Os argumentos que sustentam ser a depressão no idoso um tipo diferente da depressão de outras faixas etárias se apóiam nas diferenças de sintomatologia. Nos idosos, por exemplo, a depressão se apresentaria com sintomas somáticos ou hipocondríacos mais freqüentes, haveria menos antecedentes familiares de depressão e pior resposta ao tratamento. Apesar disso, a tendência atual é não estabelecer diferenças marcantes entre a depressão da idade tardia e a depressão dos adultos mais jovens. De fato, o que teria de diferente nos idosos seria, não a depressão em si, mas as circunstâncias existenciais específicas da idade.
Do ponto de vista vivencial, o idoso está numa situação de perdas continuadas; a diminuição do suporte sócio-familiar, a perda do estatus ocupacional e econômico, o declínio físico continuado, a maior freqüência de doenças físicas e a incapacidade pragmática crescente compõem o elenco de perdas suficientes para um expressivo rebaixamento do humor. Também do ponto de vista biológico, na idade avançada é mais freqüente o aparecimento de fenômenos degenerativos ou doenças físicas capazes de produzir sintomatologia depressiva.
Assim sendo, embora os fatores bio-psico-sociais agravantes possam estar associados ao rebaixamento do humor na idade avançada, eles podem gerar confusão a respeito das características clínicas da depressão nessa idade. Os clássicos conceitos de depressão reativa, depressão secundária e depressão endógena se confundem na depressão senil.
CAUSALIDADE DA DEPRESSÃO |
DEPRESSÃO REATIVA |
Reativa a alguma situação vivencial traumática |
De fato o idoso passa por uma condição existencial problemática e, muitas vezes, sofrível. |
DEPRESSÃO SECUNDÁRIA |
Secundária à alguma condição orgânica |
De fato o idoso costuma desenvolver estados patológicos e degenerativos que facilitam o desenvolvimento da depressão. |
DEPRESSÃO ENDÓGENA |
Endógena é constitucional, atrelada à personalidade |
Ora, de fato as pessoas com depressão endógena ou constitucional envelhecem e continuam depressivas |
Como vemos no quadro acima, pelas condições existenciais a depressão do idoso bem que poderia ser, de fato, reativa. Poderia igualmente ser secundária às condições físicas do idoso e, finalmente, pelos eventuais antecedentes, poderia ser endógena. Nos adultos jovens esta confusão causal é menor, pois os aspectos do entorno existencial estão mais claramente definidos.
A Situação Existencial do Idoso
O estudo da psicopatologia da velhice a partir de três aspectos concretos: saúde mental, percepção do envelhecimento e autonomia funcional. Segundo César Vásquez Olcese (2001) , parece haver diferenças significativas entre saúde mental e percepção do envelhecimento.
Em países como o nosso, cheios dos problemas derivados do subdesenvolvimento e de necessidades cada vez maiores, normalmente o Estado tende a fixar sua atenção e esforço na solução de problemas conjunturais, problemas que afligem à generalidade dos habitantes. O estado empobrecido não prestigia determinados setores da população, como exigiria a terceira idade.
Por isso, é quase certo dizer que os idosos de nossa sociedade estão marginados. Eles estão excluídos da produção contra sua vontade, tornam-se pouco consumidores, tendem a consumir maiores recursos da saúde, e acabam sobrevivendo a expensas de uma sociedade quase sempre hostil, recebendo as ajudas caridosas que esta se digna oferecer-lhes. Estão excluídos da produção porque ninguém lhes dá emprego, tornam-se pouco consumidores porque não têm dinheiro, não têm dinheiro porque ninguém lhes dá emprego, e consomem recursos da saúde porque adoecem, e adoecem mais porque não têm recursos para a saúde. Forma-se assim um deplorável círculo vicioso.
A mídia foi a primeira a detectar essa situação deplorável dos idosos. Os idosos só aparecem em propaganda de planos de saúde, no marketing de supermercados estão as pessoas de meia idade e todos os demais prazeres da vida são monopolizados pelos jovens, irrequietos, barulhentos e coloridos. Mas quem para a conta dos prazeres são as pessoas de meia idade e quem ajudou a erigir a estrutura social, essa mesma estrutura social dos prazeres, forma os idosos.
Infelizmente, um dos sintomas deste descuido social geral para com o idoso é o escasso conhecimento que se tem de sua realidade psicológica, de sua subjetividade e da percepção que ele tem de si mesmo e do mundo em que vive. Os estudos referidos à velhice se concentram, em geral, nos aspectos demográficos, socioeconômicos, de seguridade social e de saúde física, deixando de lado a saúde emocional e o colorido dos sentimentos da pessoa que envelhece.
É pois, imperioso que a sociedade de um modo geral, e a medicina psiquiátrica em particular, se aproximem e conheçam a dimensão subjetiva, a problemática da saúde emocional e as potencialidades subjacentes do idoso. Muito pouco se sabe sobre como o idoso percebe a si mesmo e a seu envelhecimento, e isso será apenas o primeiro passo para estabelecer uma atenção psicológica e rastrear os fatores materiais e sociais que a determinam a angustia e a depressão que rodeiam o envelhecimento.
A Saúde Mental do Idoso
Saúde Mental poderia ser entendida como o equilíbrio psíquico que resulta da interação da pessoa com a realidade. Essa realidade é o meio circundante que permite à pessoa desenvolver suas potencialidades humanas e, normalmente, essas potencialidades estão estreitamente associadas à satisfação das necessidades humanas.
Uma das principais necessidades humanas básicas, para o idoso ou qualquer um outro, é a chamada Autonomia Funcional. Esta, diz respeito à capacidade que tem a pessoa para valer-se de si mesmo, interatuar com o ambiente e satisfazer suas necessidades.
Percepção do envelhecimento é a manifestação subjetiva das alterações sofridas a nível somático e funcional, atribuibuídas ao envelhecimento. Isto se expressa numa troca da identidade pessoal, a imagem corporal, a autovalorização, etc. Operacionalmente pode definir-se como a auto-atribuição de traços de velhice.
A percepção do envelhecimento se dá, mais destacadamente, nas seguintes observações:
Alterações na aparência física;
A grande maioria dos idosos se percebe com menos cabelo, cabelos brancos (91.2%); manchas e rugas na pele (81.1%); problemas de visão e de audição (74.9%); déficit na força muscular (59.7%), etc. A isso se associa uma característica psicológica, que é um forte apego ao passado (57.2%).
Os fatores sociais e os elementos gerais parecem exercer uma forte influencia. As mulheres levam mais em conta as mudanças em sua aparência externa, os homens, por sua vez, ressentem mais a debilidade física.
Dentro da percepção do envelhecimento, cabe chamar a atenção sobre a explicação que os idosos realizam de sua velhice, e sobre a rapidez com que esta se instaura para eles. O ritmo do envelhecimento é percebido de forma diferente por homens e mulheres. A maioria dos homens (59.1%) pensa envelhecer de forma lenta ou pouco a pouco. As mulheres (52.7%), em troca, vêem este processo como algo normal, nem lento nem rápido.
A correlação entre Saúde Mental e Percepção do Envelhecimento faz supor uma influência negativa dos problemas psicológicos sobre a autopercepção dos idosos. A presença de ansiedade, irritabilidade, sensação de insuficiência, de inutilidade, entre outras, pode levar aos idosos a supervalorizar (e em alguns casos extremos, a acelerar) alguns traços próprios da velhice.
Da mesma forma, é lícito supor que a presença de certos traços do envelhecimento e seus efeitos nas vidas das pessoas possam gerar problemas psicológicos, já que, ao que parece, as limitações do envelhecimento e a marginalização social concomitante, terminam por afetar o equilíbrio interno dos indivíduos. O mais provável é que exista uma influencia recíproca entre ambos fatores, os mesmos que à maneira de um círculo vicioso se retro-alimentam mutuamente.
Autonomia Funcional;
Entre as principais características da perda progressiva da Autonomia Funcional estão os problemas de mobilidade, de mover-se de um lugar a outro, principalmente entre lugares distantes (40.9%). Outra limitação importante está no ato de preparar seus alimentos (32.7%) e, finalmente, em conseguir as coisas que necessitam (29.6%).
A discriminação que sofrem as mulheres no campo ocupacional, econômico, familiar e outros, notadamente a descriminação maior da qual foi vítima a mulher hoje senil, produz um efeito acumulativo que acaba resultando numa velhice mais problemática.
Tendo uma vida marginalizada e deficitária produz-se, quase sempre, uma velhice com problemas. Neste sentido, está certo o ditado que diz: “envelhece-se como se viveu ”. Isso significa que o envelhecimento pode ser problemático na medida em que a vida tenha sido complicada ou, mais comumente, na medida em que a pessoa teve dificuldade em adaptar-se à vida.
As condições materiais de existência e o suporte familiar são fatores decisivos na sensação de Autonomia Funcional dos idosos. Estando suas necessidades melhores satisfeitas, haverá maior independência e liberdade de ação.
Em síntese, muitos problemas da Autonomia Funcional podem ser explicados a partir de fatores individuais, familiares e sociais. Entre os fatores individuais, em primeiro lugar se encontra o perfil psicológico e mental prévio da pessoa que envelhece, em seguida vem o nível educacional, as experiências vitais críticas, os acidentes, as doenças pregressas e atuais, a ocupação pregressa e atual, etc.
Socialmente, está em primeiro lugar, sem dúvida, a contundente influência restritiva que a sociedade exerce sobre os idosos, limitando suas possibilidades de atuação, oprimindo-os sob os modelos e padrões do "velho", e restringindo suas possibilidades de participação. De modo geral, não existe uma velhice típica, padrão, característica e igual. Existem múltiplas velhices; tantas como sociedades, culturas e classes sociais.
Para referência
Ballone GJ - Depressão no Idoso - in. PsiqWeb Psiquiatria Geral, Internet, disponível em http://www.psiqweb.med.br/geriat/depidoso.html revisto em 2002
Artigo inspirado em: César Vásquez Olcese - SALUD MENTAL Y VEJEZ - Um estudo em idosos ...
FONTE: PSICOLOGIA.COM. 2001; 5(1), disponível em
http://www.psiquiatria.com/psicologia/revista/51/2826/?++interactivo |